Violência e a Intolerância Religiosa
"Não por força nem por poder,
mas pelo meu Espírito,
diz o SENHOR dos Exércitos."
Zacarias 4.6b
No último dia 14 de junho, o Brasil foi surpreendido por uma notícia chocante: Kayllane Campos, uma menina de apenas 11 anos de idade, havia sido apedrejada na saída de um culto do candomblé, na Vila da Penha, no Rio de Janeiro (1). Segundo testemunhas, os agressores, que aparentavam ter 20 anos de idade, portavam Bíblias e gritavam insultos contra os adeptos das religiões afro-brasileiras (2). Por mais que essa notícia tenha sido a que teve maior repercussão nos últimos dias, casos de violência motivada por intolerância religiosa não são raros e têm se intensificado nos últimos anos. Ainda que as principais vítimas sejam os adeptos das religiões afro-brasileiras, registram-se também atos de vandalismo contra templos e objetos sacros da Igreja Católica Romana e agressões e insultos a evangélicos.O fenômeno do recrudescimento do fundamentalismo religioso e da violência motivada por intolerância religiosa não está restrito ao Brasil. Nos últimos anos, têm-se observado episódios de conflitos entre hindus e muçulmanos na Índia (3), perseguição a cristãos no Sudeste Asiático (4), o ataque contra um templo da religião sikh nos Estados Unidos (5) e incêndios em mesquitas na Europa (6). Ainda que o fenômeno da intolerância seja complexo e provocado por múltiplas causas, é profundamente lamentável que os discípulos e discípulas de Jesus estejam envolvidos em cada vez mais casos de violência e perseguição a adeptos de outras religiões no Brasil.O povo metodista, evangélicos e evangélicas integrantes do protestantismo de missão, possui em sua história antecedentes que o credencia a atuar de maneira a enfrentar e superar a intolerância e a violência de raiz religiosa, através de testemunho que evidencia o papel de pacificador, a ser exercido pelo seguidor de Jesus Cristo.Em 1747, o metodismo se instalou na Irlanda, país majoritariamente católico romano. Não tardou para que os metodistas fossem atacados por multidões por causa de sua fé protestante. Ainda assim, Wesley discordava da legislação britânica (na época, toda a Irlanda fazia parte do Reino Unido, estando submetida ao governo de Londres), que buscava impor sua religião oficial por meio da coerção. “Não é de admirar que quase todos os que nascem papistas (i.e. católicos) vivam e morram como tais, enquanto os protestantes não acharem um meio melhor para convertê-los do que leis penais e atos de parlamento” (7), afirmava ele. Além disso, Wesley escreveu, em 1749, um tratado chamado Carta a um Católico Romano, no qual exorta: “Um verdadeiro protestante ama o seu próximo – isto é, toda a gente, amigo ou inimigo, bom ou mau – como a si mesmo, como ele ama a sua própria alma; assim como Cristo deu a Sua vida por nós, também ele está pronto a dar a sua vida pelos seus irmãos” (8).Em contexto brasileiro, durante o período do império, a religião católica romana era oficial e havia uma série de restrições à atuação de missionários protestantes em terras brasileiras. Naquela época os templos protestantes não podiam conter elementos característicos em suas fachadas que os identificassem como igrejas (9), os cidadãos protestantes não podiam ser sepultados nos cemitérios públicos (10) e houve casos de depredações de templos evangélicos, sobretudo no interior do Brasil (11).Desta forma, com a consolidação da laicidade do Estado Brasileiro, que confere a todas as religiões igualdade plena de direitos e liberdade de culto em território brasileiro, os protestantes destacam-se como lutadores pela implantação da justiça, paz e igualdade de direitos entre as confissões religiosas brasileiras e seus integrantes. Todavia, com as recentes notícias, sendo o da agressão à menina Kayllane Campos a mais recente e chocante, somos confrontados por uma situação na qual os evangélicos, outrora vítimas da perseguição religiosa, tornam-se algozes e perpetradores da violência. A agressão à menina Kayllane Campos é certamente a notícia que mais repercutiu. Infelizmente, não é exceção em um universo de frequentes agressões, conforme noticia a página da internet “Dossiê Intolerância Religiosa” (http://intoleranciareligiosadossie.blogspot.com.br/), compilada pela organização ecumênica KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviço.Frente aos desafios impostos por esta situação, cabe ao discípulo e a discípula de Jesus analisar a situação conforme os valores promovidos pelo Evangelho e atuar como agente da paz e do Reino de Deus.Primeiramente, o cristão e a cristã devem ser pessoas cuja atitude e ética se baseiem na lógica do Sermão do Monte, a lógica do Reino de Deus, onde o cidadão é bem-aventurado por ser pacificador, manso e perseguido por causa da justiça – jamais perseguidor! E nós, metodistas, temos em John Wesley um exemplo de cristão que, numa época em que as perseguições religiosas eram práticas cotidianas, agia conforme a ética do Sermão do Monte.Em segundo lugar, o cristão e a cristã devem ser pessoas cuja ação prática na sociedade seja eficaz no estabelecimento de relações justas. John Wesley, ao estabelecer as Regras Gerais das Sociedades Metodistas, posteriormente adotadas como Regras Gerais da Igreja Metodista, classifica-as em três categorias: Não praticar mal algum; fazer todo o bem possível e Observar todos os preceitos de Deus relativos ao culto a ele devido. Entre as regras componentes da primeira categoria está a que diz que não devemos fazer ao outro aquilo que não queremos que seja feito conosco, visando a santificação das relações pessoais. E entre as regras da segunda categoria está a de se fazer o bem a todas as pessoas, tanto quanto for possível e em todas as oportunidades possíveis. Portanto, ao discípulo e discípula de Jesus na Igreja Metodista não basta não agir com violência contra adeptos de outras religiões. Faz-se necessário tomar atitudes que defendam a integridade física das pessoas adeptas de outras religiões, defendam o direito de culto e, se necessário for, levem ao conhecimento das autoridades civis competentes episódios de violações de direitos buscando trazer justiça àquele cujo exercício de fé foi agredido ou violentado.Por fim, deve estar sempre presente na mente do cristão e da cristã o fato de que Deus é Senhor da História e age através de toda a história. Portanto, a santidade de toda a criação de Deus, todos os seres humanos, é prerrogativa absoluta . E o estabelecimento do Reino de Deus, através da ação da igreja, se faz conforme a vontade de Deus, segundo os meios que Ele determina para sua implantação. Certamente a violência não faz parte dos métodos aprovados pela vontade de Deus, que, conforme sua Palavra, é boa, perfeita e agradável.A luta contra a intolerância e violência deve ser um compromisso assumido, tanto institucionalmente quanto pessoalmente, por cada discípulo ou discípula que busca imitar as atitudes de Cristo em todas as suas relações pessoais.
Fabio Martelozzo Mendes Membro da Assessoria Regional de Promoção dos Direitos Humanos