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Uma mulher que clama e faz Jesus mudar


Ronaldo

“E a mulher era grega, siro-fenícia de nação,

e rogava-lhe que expulsasse de sua filha o demônio.”

Marcos 7:26

O ditador fascista italiano Benito Mussolini foi uma grande inspiração para Hitler, seu par não menos violento na Alemanha. A admiração era mútua e profunda. Ambos os governantes eram racistas, higienistas, xenófobos e impiedosos, além do que pregavam a superioridade de uma ‘linhagem’ da qual somente fazia parte os povos por eles liderados.


Levaram seus países à ruína com a II Guerra Mundial, a mais destruidora da história, quando mais de 100 milhões de pessoas foram vitimadas. Um número maior ainda de militares e civis se viu destroçado entre ódios, ressentimentos, preconceitos e intolerância que levaram ao desenvolvimento de níveis inéditos de horror. O Holocausto é um fruto maldito dessa ocasião.


A palavra ‘genocídio’ teve que ser regulamentada no Direito Internacional logo em seguida, para tentar expressar algo tão incompreensível quanto abjeto, da mais profunda dor que um ser humano possa causar a outro. Não só buscar a eliminação do indivíduo como também o desaparecimento de sua cultura e de todos que pudessem compartilhar de uma mesma herança histórica ou quaisquer laços de consanguinidade.


Pois bem, qual não é a minha surpresa ao me deparar com o fato de que a frase mais utilizada por Donald Trump, recém-eleito presidente dos Estados Unidos da América, seja extremamente semelhante à expressão preferida de Mussolini.


Trump grita a plenos pulmões: ‘Vamos tornar a América grande de novo’.


Mussolini, em sua nostalgia do Império Romano, dizia: ‘Vamos fazer a Itália grande de novo’.


No Brasil encontramos ecos desse tipo de atitude excludente, racista e xenófoba nos muitos que defendem a pena de morte e elogiam o trabalho de esquadrões de extermínio nas comunidades mais empobrecidas do país.

Silêncio

Para entender a atitude de Jesus diante do preconceito é preciso estudar a passagem que relata o seu encontro com a mulher siro-fenícia - Marcos 7:24-36 e Mateus 15:21-28.


O texto anterior mostra uma altercação entre Jesus e os fariseus sobre o que torna uma pessoa impura – Marcos 7:1-23.


Em seguida, surge uma mulher ‘impura’ a pedir ajuda.


Jesus havia se retirado para fora de Israel, estando em terra de gentios – portanto, pagãos e considerados impuros para os judeus tradicionais – Marcos 7: 24. Não queria ser encontrado, mas, a essa altura, sua fama o precedia.


Dá-se então uma das passagens mais inquietantes do Novo Testamento.


“Mas Jesus disse-lhe: deixa primeiro saciar os filhos, porque não convém tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. ” Marcos &:27


Este não é o Jesus que os cristãos apreciam.


Vemos Jesus aparentemente insultando e desumanizando uma mulher desesperada que o procurava como última esperança para melhorar a saúde de sua família.


Vemos Jesus descrevendo os gentios como cidadãos de segundo nível. É bastante claro para seus contemporâneos que comparar alguém com um cachorro é pejorativo. A maioria dos cães eram meio-selvagens encontrados nos arredores da cidade, que comiam todo tipo de restos e, portanto, considerados animais imundos.


A declaração de Jesus estava cheia de preconceito e etnocentrismo.


Essa história nos chama a confrontar a humanidade de Jesus.


Ser humano significa estar imerso em uma cultura. Significa crescer com uma certa visão de mundo. É herdar tradições, linguagens e preconceitos - que podem ser equivocados, prejudiciais e alienantes.


Nesse caso, preconceitos que indicavam como certa a exclusão dos gentios da comunidade de fé e do círculo daqueles que merecem compaixão.


A mulher siro-fenícia, por outro lado, já reconhecera Nele a esperança do cumprimento da profecia sobre o Messias, ao chamá-lo ‘filho de Davi’ – Mateus 15:22.


Os discípulos reforçavam o preconceito, incomodados pela presença de uma mulher ‘impura’ e rogavam que Jesus rispidamente a mandasse embora – Mateus 15:23.


Quando os discípulos pediram uma reação mais enérgica Ele não pronunciou uma injúria étnica. Por que seu silêncio? É porque Ele percebeu que seus discípulos não absorveram a lição do episódio anterior, que a ‘impureza’ espiritual não é sobre coisas exteriores - seja etnia, higiene ou dieta - mas sobre o que está dentro – Mateus 15:19. Aqui está um exemplo da vida real.


Repare que Jesus não se apegou ao preconceito que lhe fora ensinado por toda a vida. Ele ouve. Ele atenta para o que diz a mulher siro-fenícia. Olha para o lado de fora. Percebe o outro. E, ao fazê-lo, ouve uma resposta brilhante e corajosa, o que o faz mudar os termos do debate e o sentido da metáfora.